27
– Junho de 2001
![]() NAMORO NO CELULAR? SAFA! Podem espalhar até que fui namorado da Rosinha. Ué, quem não foi? Quem, em certa época das descobertas da vida, não namorou uma Rosinha? Quando digo Rosinha, digo todas elas, as de saia curta até os joelhos, as de sardas e as sem sardas, as loirinhas de verdade, as loirinhas de araque, as neguinhas, as moreninhas, a japonesinha cujo pai tinha empório de secos e molhados na esquina, lembra?, enfim, tutte quante… Bom, só pelo uso e abuso desses “de araque” e “tutte quante” dá para sacar a data da minha certidão de idade. E dá para sentir fundo que Rosinha é apenas um símbolo, um broche no peito, um perfume sazonal, uma dor-de-cotovelo encruada na memória. Agora que fiz minha apresentação pessoal, vou direto ao assunto. Sem prosápia, na minha vida acho que tive seis namoradas e meia. Quer dizer, duas e meia delas foram pura imaginação visionária. Nem se deram conta de que eu arrastava uma asa por elas. Pronto, dei outra vez com a língua nos dentes. Dar com a língua nos dentes e arrastar asa por uma mulher, uma moça, uma garota, uma mina, ou mesmo uma donzela de peregrina beleza, é coisa tão ultrapassada como tirar linha. Sim, todas essas coisas da alma existiram um dia. Mas caíram de uso. Saíram de moda. Todavia, acreditem: houve uma época em que se namorava por telepatia, por telégrafo sem fio, pelas pálpebras trêmulas do olhar. Namorava-se arrastando as asas, como as rolinhas no jardim. Duas namoradas e meia na minha vida foram mais clandestinas que perueiro de lotação. Não valem para currículo. Sobraram quatro. Das quatro, uma foi ser freira; na verdade, monja reclusa; hoje talvez seja abadessa num mosteiro. Foi a mais sensível delas. Ficam três. Duas casaram no civil e no religioso, e casaram por amor, o que é lindo, correto e saudável. Nunca saem em coluna social, não dão aulas de culinária na televisão, nunca foram entrevistadas pelo Jô nem pela Gabi. São pessoas normais, de alto a baixo e de baixo para cima. Não dão ibope. Se me entendem, ótimo. Restou uma. Restou a Rosinha, a verdadeira Rosinha. Nosso amor foi tão eterno que parecia feito de tungstênio. Pena que entre mim e a Rosinha houvesse um muro. Não era alto. Mas, mensurando com a memória antiga, era um muraço, uma muralha. Mesmo na ponta das minhas alpargatas Roda, na época alpargata era um sapato de lona com sola de corda, fabricado para nós numa fábrica conceituada na rua Doutor Almeida Lima – hoje, vejam como são as coisas, é uma faculdade de ensino superior particular -, mesmo ficando na ponta dos pés, o muro não me permitia admirar Rosinha a não ser pela voz. Namorávamos com o ar de nosso hálito ansioso. Não era possível beijar como agora é; e o muro não deixava. Assim arrastamos um romance infanto-juvenil até que o destino, ou seja lá que diabo tenha sido, a levou, num caminhão de mudanças, para outro bairro, outro subúrbio, outro chão paulistano. Desde então nunca mais nos vimos. Ou quase
isso. Séculos depois, um dia, bateu-me uma saudade esganiçada.
Acho que nem saudade era. Devia ser curiosidade mórbida,
como se diz. Disse a mim: “Vou rever o muro.” O muro
ficava numa vila. Nem a vila, nem o muro existem mais. Foram deglutidos
por uma moderna e asseada estação do Metrô.
Mas, dentro de mim, imaginei que o muro era baixinho, tinha musgo,
e hoje seria capaz de namorar a Rosinha sustentado nos dedos de
meus pés. Repito, nunca mais a vi. Ou quase isso. Há
dois ou três outonos pareceu-me que era ela atravessando o
Viaduto das Noivas, lépida nos seus quilinhos a mais. Fofona,
na orelha esquerda carregava um brinco de argola. Na orelha direita,
grudado, um aparelho de telefone celular. Me senti traído.
Me chamem de coroa, de tio, do que quiserem. Não ligo mais
para rótulos. Mas não faz meu gênero namorada
com celular. Acho que não combina. Acho que é o fim
da privacidade romântica. Prefiro mil vezes namorada sussurrando
no orelhão. Deu para entender? Texto por Lourenço Diaféria, especial para o ALMANAQUE BRASIL |