Histórias do Brasil

Com orgulho, lateral juventino carregou Pelé a vida toda no joelho

Pelé fez o gol mais bonito de sua carreira em 2 de agosto de 1959, na partida entre Santos e Juventus, na Mooca, Zona Leste de São Paulo. O Rei chapelou boa parte da defesa grená e estufou as redes do goleiro Mão de Onça. Como o jogo não fora filmado, apenas os nove mil presentes aos estádio da Rua Javari puderam ver o momento histórico. Com uma exceção: José Pando, lateral-esquerdo juventino que iniciou a partida mas estava numa maca hospitalar no momento do golaço do Rei.

O motivo: o craque do Santos, já campeão mundial na Copa da Suécia um ano antes, havia dado uma entrada violenta em seu joelho esquerdo ainda no primeiro tempo da peleja. O lateral só ficou sabendo sobre o gol antológico no Pronto-Socorro.

Pando não viu o gol, mas ficou com Pelé a vida inteira na cabeça. E no joelho. Passou as décadas seguintes exibindo, para quem quisesse ver, três cicatrizes. “Olha meu joelho. Esta primeira é o Edson; esta outra é o Arantes; e a última é o Nascimento”, dizia, enquanto apontava para as marcas visíveis.

Ele explicou o lance que gerou a contusão a este repórter, em 2004: “Não era qualquer um que conseguia parar o Pelé. Dei a mim essa missão. Seria a minha glória. Dei uma entrada violenta nele no comecinho do jogo. Ele não gostou nem um pouco, mas na hora não fez nada. Depois, dei um carrinho com a intenção de desarmar, mas Pelé levantou a perna e pisou de forma brusca no meu joelho. Não chegou a quebrar, mas deslocou uma parte do osso. Dali fui direto ao hospital”.

Alguns jogadores juventinos ficaram revoltados com Pelé. Mas Pando, a vítima, nunca o culpou pelo lance. “Não foi revide, não. São coisas que acontecem no futebol”, disse, para depois se lamentar: “E eu acabei nem vendo o golaço dele…”.

“Desculpa, Deus”
A partir de 2003, o ex-atleta passou a carregar diversas cópias de uma carta que Pelé havia mandado a ele. Datada de 25 de janeiro de 2003, a missiva deseja a Pando um ano com muita saúde a ele e a toda família, e finaliza: “Se quizer bater uma bolinha é só falar”.

Ele foi a vítima em 1959, mas não chegava a ser um santo em campo. Era um lateral mais esforçado do que técnico e, garantia, não gostava de entrar violentamente nos adversários. Católico fervoroso, tinha um princípio: “Eu sempre achei que Deus ficaria bravo se eu fosse violento”. Mas não era de ferro. “Às vezes eu recebia umas botinadas violentas. Saia de mim, ficava cego. Nessas horas, eu olhava para cima, falava ‘Desculpa, Deus’, e ia para a desforra”.

Pando morreu em janeiro de 2012. Fazia questão de demonstrar, até o fim da vida, a admiração pelo Rei do Futebol. “Pelé é o maior de todos. Ninguém é bobo de falar perto de mim que o Maradona é melhor que ele. O argentino nem chegou perto. Se disserem isso na minha frente, fico com vontade de encher de soco”, disse, com cara e de bravo e cerrando os punhos. “O Pelé é um sujeito formidável”.

Por Bruno Hoffmann