Entre
o Amazonas e o Trombetas, no paranã do Cachoeiri, nasceram Honorato e
a irmã Maria. Gêmeos, vieram ao mundo na forma de duas serpentes
escuras. Não podiam viver na terra. Criaram-se nas águas. O povo
chamava-os Cobra Norato e Maria Caninana.
Cobra Norato era forte e bom. Não fazia mal a ninguém. Salvou
muita gente de morrer afogada. Venceu peixes grandes e ferozes. Nadava esperando
a noite chegar. Quando apareciam as estrelas, saía d’água
arrastando o corpo pela areia. Desencantava. Deixava o couro da cobra junto
ao paranã, erguendo-se rapaz bonito. Ia dançar, ver as moças,
conversar com os rapazes. Todo o mundo ficava contente. Pela madrugada, transformava-se
novamente em cobra. Mergulhava nas águas do rio.
Maria Caninana era violenta e má. Alagava embarcações,
feria peixes pequenos. Cobra Norato matou Maria Caninana e ficou sozinho.
Uma vez por ano Cobra Norato convidava um amigo para desencantá-lo. Se
encontrasse a cobra dormindo com a boca aberta
COBRA
NORATO
devia sacudir três pingos de leite de mulher na boca e dar uma cutilada
de ferro virgem na cabeça da cobra. Ela fecharia a boca e a ferida daria
três gotas de sangue. Honorato ficaria homem para o resto da vida. Mas
a cobra assombrava. Todos tinham medo.
Certo dia, nadou pelo Tocantins. Deixou o corpo na beira do rio e foi dançar.
Fez amizade com um soldado e pediu que o desencantasse. O soldado fez o que
era preciso. Honorato deu suspiro de descanso. Queimou a cobra. As cinzas voaram.
Virou homem, morreu anos e anos depois.
Nas terras e rios do Pará não há quem ignore a vida da
Cobra Norato. Canoeiros apontam os cantos:
“Ali passava a Cobra Norato.”