Histórias do Brasil

Cartola juventino garantia: A Mooca e o Juventus são uma coisa só

Os lançamentos de Gérson, a cadência de Ademir da Guia, as patadas de Rivellino ou a genialidade de Pelé, além de uma dinâmica de jogo menos corrida e mais pensada, são bons argumentos dos que têm a convicção de que o futebol disputado em décadas anteriores era mais romântico do que o praticado a partir dos anos 2000. Mas esse saudosismo também se justifica fora das quatro linhas. Em outras épocas, havia dirigentes capazes de imortalizar histórias pouco vistas nos dias atuais.

Um desses foi Mário Previato, ex-diretor de futebol do Juventus entre 1949 e 1968, época em que o Moleque Travesso chegava a encarar os grandes clubes da capital paulista em condições de igualdade. Nascido na Mooca em 1920, o relojoeiro foi casado por duas vezes, teve três filhos e morreu em Santos, aos 89 anos de idade. Tornou-se sócio do Juventus em 1937, diretor de futebol em 1949 e somente se desligou totalmente do clube grená em 1977.

Garantia que, enquanto foi diretor de futebol, acompanhou a todos os jogos e partidas do campo. “Se houve mil jogos e mil treinos, eu fui aos dois mil. Não a 1.999. Aos dois mil!”.

mario previato
Mário Previato ao lado do elenco juventino (foto: divulgação)

A vida de dirigente nasceu após lutar contra a iminente fusão do Juventus com a Ponte Preta, em 1949, por grave crise financeira do clube. Desde então, ganhou papel ativo no time da Mooca. Nesse tempo, recebeu troféus de agradecimento de jogadores, foi eleito pela imprensa como o melhor dirigente de São Paulo, defendeu e cobrou ardorosamente os atletas e não foi esquecido pelo clube. Apesar de se desligar do Juventus em 1977 e ter saído da Mooca em 1992, Previato jamais se esqueceu de nenhum dos dois. “A Mooca e o Juventus são uma coisa só”, dizia.

Até o último dia de vida, guardou diversas lembranças do mundo do futebol, como recortes de jornal, troféus, medalhas, fotos e uma memória invejável dos anos de ouro do escrete juventino. Além do ingresso da primeira partida realizada no o Pacaembu, em 1940, entre Palmeiras e Coritiba, que recebera com dedicatória das mãos de Paulo Machado de Carvalho, empresário que deu nome oficial ao estádio.

Buzone, ex-atacante do Juventus: “Ele estava sempre com a gente. Era uma figura onipresente. Sempre muito correto e muito disciplinador. Foi um grande líder”.

Previato fazia linha dura e marcava de perto os jogadores. Mesmo assim, era reconhecido como paizão por ex-atletas como o goleiro Mão-de-Onça e o atacante Buzone, todos dirigidos por ele. Buzone dizia: “Ele estava sempre com a gente. Era uma figura onipresente. Sempre muito correto e muito disciplinador. Foi um grande líder”. Mão-de-Onça, já perto do fim da vida, chegava a se emocionar: “Tenho uma saudade enorme. Ele era um pai para mim”.

Após o término de cada partida, o dirigente cobrava jogador por jogador presencialmente. Se jogasse bem, os elogios eram feitos de imediato, em frente a todos do elenco. Do contrário, as críticas vinham da mesma forma, seja com alguma ironia ou um puxão de orelha. Também era ótimo contador e colecionador de histórias. O próprio dirigente contou, a este repórter, algumas situações vividas como cartola do Juventus:

A busca por Mão-de-Onça
“Eu fui a Itu (cidade do interior de São Paulo) contratar o goleiro Mão-de-Onça. Ele já havia jogado no Juventus e eu o queria de volta. Fiz uma proposta à presidência do clube, que se recusou a vendê-lo.

No dia seguinte não tive dúvidas: voltei a Itu, procurei o Mão-de-Onça e expliquei o que havia acontecido. Como ele me disse que queria voltar a jogar no Juventus, sugeri uma conversa dele com o presidente do Ituano. Mas fiz uma ressalva: como ninguém no futebol tem paciência, disse ao Mão para, todo dia, às nove da noite, pegar sua mulher e filhos e ir falar com o presidente, de preferência com os filhos chorando. Recomendei que dissesse que, se não viesse pra capital, não teria como sustentar a família. Depois de três dias, o Mão teve seu passe liberado e veio ao Juventus”.

Puxão de orelha em atacante
“Havia um ponta chamado Gérson que eu contratei em 1967, que já havia jogado no Corinthians e no Botafogo de Ribeirão Preto. E nos primeiros jogos ele não teve boa atuação.

Em um determinado dia eu estava na minha sala quando o Moacir, meu secretário, chegou e me disse que o Gérson ‘tava reclamando que eu não tinha passado pro papel tudo que eu havia prometido ao contratá-lo. De imediato pedi para o Moacir sentar-se à máquina e escrever: ‘Eu, Gérson, declaro que passarei a jogar bola no dia ___, do mês ____ e do ano ___ e, quando isso ocorrer, poderei cobrar que se redija meu contrato com tudo que eu acordei com o diretor de futebol Mário Previato’.

Além disso, fui ao campo, o chamei de canto e esbravejei: ‘Escuta, quer dizer que você está me cobrando? Faz mais de um mês que eu te contratei e você só fica assistindo ao jogo. Se continuar assim vou passar a te cobrar ingresso!’. Depois desse dia, ele arrebentou em todos os jogos e nos tornamos grandes amigos”.

Galanteio
“Certa vez, um travesti veio me procurar em um hotel para dizer que alguns jogadores nossos estavam mexendo com ele. Os jogadores ficaram me olhando assustados, com medo da minha reação. Não tive dúvidas. Olhei para a cara do travesti e, com todo o respeito, disse: ‘Bonito do jeito que você é, até eu vou passar a te perseguir’. O travesti virou as costas e saiu andando, todo orgulhoso. Os jogadores ficaram aliviados, chegaram em mim e me agradeceram. Por histórias como essa é que eles sempre me adoraram”.

Por Gabriel Luccas